O meu Nappily Ever After - Uma História de (des)amor com o cabelo

O meu cabelo sempre foi um struggle enorme para mim. Nunca gostei verdadeiramente do meu, por ser tão diferente do que era enaltecido por toda a parte. Sempre desejei que ele fosse liso e longo como o das minhas amigas brancas. porque era o que era socialmente bonito e aceitável. Dependi, toda a minha vida do meu cabelo para me sentir bem comigo mesma, sendo que o usei natural muito poucas vezes: ora o usava desfrisado, ora com box braids. Atualmente faz quase dois anos desde que não uso química no meu cabelo, mas ainda são poucas a vezes em que o solto e o deixo brilhar. É, ainda tenho uma longa caminhada a percorrer.

Anteontem assisti ao filme Nappily Ever after da Netflix, e foram muitos os sentimentos que vieram à tona, por me identificar com a personagem principal, Violet em vários pontos.

Nappily Ever After conta a história de Violet, uma mulher bem sucedida, com um bom emprego, um namorado lindo e igualmente bem sucedido, e um cabelo "perfeito". Até que um dia ela sofre um corte químico no cabelo, e a partir daí todas essas coisas que pareciam ser perfeitas na sua vida começam a desmoronar. Até que ela decide rapar o cabelo. É uma espécie de comédia romântica, leve e fofa, que fala sobre a jornada de transição capilar e amor próprio de Violet depois dessa decisão um pouco inusitada. Mas não esperem um filme mega aprofundado e focado nessa temática, porque não é, de todo. É, como eu disse, leve, descontraído e um pouco cliché. E como a Gabi Oliveira disse no seu vídeo, tá tudo bem nisso. A normalização e humanização das pessoas negras também é vê-las em filmes com uma vibe mais "àgua com açùcar". Contudo, ainda assim, Nappily Ever after toca em tópicos importantes e tem com uma mensagem incrível.

A primeira cena que nos remete para a infância da Violet e a sua relação com a mãe representaram muito o que a minha infância foi. Sempre fui muito cobrada pelos meus pais para ser a melhor aluna, uma criança extremamente educada e perfeita, que não grita, não ri à toa, e não come disparatadamente. "Nós somos negros, temos de ser duas ou três vezes melhores para que não nos pisem" diziam. Com o passar dos anos, essa frase faz cada vez mais sentido para mim, infelizmente.

As relações amorosas da Violet também são um tópico muito importante no filme. São imensas as mulheres reféns dos próprios cabelos por conta de homens. E são imensas as mulheres negras que não conseguem gostar dos seus afros por conta disso. E eu incluo-me nesse grande grupo, ou incluiria-me até há uns 2 ou 3 anos atrás, quando as minhas inseguranças me cobriam por inteiro. Porque uma verdadeira mulher tem de ter o cabelo comprido, porque é feminino, porque isto e porque aquilo E porque o cabelo "duro" dá um ar de desleixo, é preciso arrumar esse cabelo, domar essa fera, infelizmente nasceste com um cabelo péssimo, mas dá para dar um jeito nisso. E todas essas afirmações acabam por mexer tanto com a nossa autoestima, que acabamos por nos mover em função dos outros, para agradar os outros, para sermos aceites pelos outros. E essa é uma das piores violências que podemos fazer contra nós próprias.

Nappily Ever After é sobre o processo de amor próprio, sobre a pressão estética, sobre transição capilar, e sobre todas as inseguranças e pequenas lutas internas que muitas de nós mulheres, e especialmente mulheres negras já passámos. É sobre liberdade e empoderamento de todas as formas possíveis. É um ótimo filme, não só para entreter mas também para refletir.

Ver este filme fez-me refletir imenso sobre a minha relação com o meu cabelo, que ainda não é 100% estável. Quero confessar que minha vontade de rapar a cabeça já era gigante, mas depois de ver este filme quase que confirmei as minhas certezas. Ainda há um leve receio, mas sinto cada vez que preciso de dar este passo para me libertar das amarras que a sociedade nos coloca à força. Preciso de passar por este processo. E se o fizer, certamente partilharei toda a experiência aqui.

Eu fico muito feliz por ver este tipo de temáticas serem cada vez mais discutidas e representadas na televisão e no cinema. Sempre que os vejo penso: Quem me dera que a pequena Sandra tivesse visto tudo isto. Mas eu sei que ela ainda está algures por aqui dentro de mim, completamente deliciada e orgulhosa.

Aperta o play para ver o trailler!

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Já viram Nappily Ever After? O que acharam? Se não, ficaram com vontade de ver ou nem por isso? E como é a vossa relação com o vosso cabelo?