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08/12/2015

Sobre o colorismo e a síndrome de Lynch


Há umas semanas vi um vídeo no Youtube que me deixou muito pensativa (assim que o encontrar deixo aqui o link!). Não é que eu não me tenha apercebido do que se passa ao meu redor, mas ouvir aquela mulher durante 5 minutos fez-me refletir bastante. Se há coisa pior que o racismo que vem de fora, é o enorme preconceito que existe dentro da nossa comunidade. Nós, negros, somos muito desunidos.

E porquê? Graças a hierarquização dos tons de pele. Os mais claros são os mais aceites e desejados pela sociedade, porque são “mais bonitos” tem ”um cabelo melhor” e os seus traços chegam a assemelhar-se aos traços de uma pessoa branca. Ser escuro, ter os lábios carnudos, nariz largo e cabelo crespo não se adequa ao padrão. Quem nunca ouviu um "tu até és bonita/o para o teu tom de pele" que atire a primeira pedra!

Isso é colorismo, que nada mais é  do que uma forma de descriminação baseada nos tons de pele: quanto mais clara e menos traços negróides a pessoa tiver, mais aceite pela sociedade ela será. Não, essa pessoa negra clara não vai ser lida como branca, e (obviamente) não está isenta do racismo,  mas comparativamente a pessoas negras de pele escura como eu, um negro de pele clara terá sempre "privilégios", por ser mais agradável aos olhos de gente racista,  por ser mais parecida com eles. 

Conscientemente ou não, uma coisa é certa: a síndrome de Lynch (que eu acredito que esteja na origem deste termo) ainda está bem enraizada na nossa sociedade. Se formos a ver, no fundo, nós negros, ainda somos ironicamente escravos desta teoria. 

E o que é a síndrome de Lynch?

Bem, Willie Lynch foi um colonizador e proprietário de escravos britânico do século XVII. Era conhecido por manter os seus escravos disciplinados e submissos. E como? Leiam o excerto da carta que este escreveu quando teve que se deslocar aos EUA com intuito de ajudar os seus companheiros colonizadores a controlar  os escravos revoltados.

Carta de Lynch

"Verifiquei que entre os escravos existem uma série de diferenças. Eu tiro partido destas diferenças, aumentando-as. Eu uso o medo, a desconfiança e a inveja para mantê-los debaixo do meu controle (…) Eu vos asseguro que a desconfiança é mais forte que a confiança, e a inveja mais forte que a concórdia, respeito ou admiração”.  (...) “Deveis usar os mais velhos contra os  mais jovens, e os mais jovens contra os mais velhos. Deveis usar os escravos mais escuros contra os escravos mais claros e os escravos mais claros contra os escravos mais escuros. Deveis usar as fêmeas contra os machos e os machos contra as fêmeas. Deveis usar os vossos capatazes para semear a desunião entre os negros, mas é necessário que eles confiem e dependam apenas de nós” (...) ” Meus senhores, estas ferramentas são a vossa chave para o domínio, usem-nas. Nunca percam uma oportunidade (…) se fizerdes intensamente uso delas por 1 ano o escravo permanecerá completamente dominado” (...) “O escravo depois de doutrinado desta maneira, permanecerá nesta mentalidade passando-a de geração em geração."

Resumindo: Lynch utilizava o colorismo a seu favor.  Com este, implantava o ódio dentro da própria comunidade negra, e consequentemente tornava-os mais vulneráveis ao que vinha de fora. Conseguem associar isto ao presente? Eu consigo,  e olhem que não é pouco, infelizmente.

Lembro-me de a minha mãe dizer uma vez ou outra: “Olha lá, Sandra, não te cases com um homem muito escuro, han? Casa-te com um claro, ou com um branco, pra eu ter netinhos mulatinhos!” Ela dizia isto em tom de brincadeira, mas com um fundo de verdade, o que é triste. Ou seja, um negro casar com um branco é sinónimo de melhorar a raça? Quando é que ser negro de pele negra se tornou algo defeituoso, que precisa de ser corrigido,  e indesejável?

Já precenciei inúmeras situações que sustentam estas falácias,  do tipo uma discussão entre duas negras, que afirmavam que a sua pele era mais clara que a da outra, com o intuito de afagar o próprio ego. Foi literalmente isto e foi demasiado triste.

Eu cresci oprimida com todas estas ideias e teorias. Até há bem pouco tempo era nisto que me sentia obrigada a acreditar e aceitar. Sempre me sentia menos que as minhas amigas igualmente negras, mas de pele mais clara, e desejava a todo o custo ser como elas, ter um pouco menos de melanina, pois acreditava que só sendo mais clara é que eu conseguiria ser realmente bonita. »Porque nasci tão escura?«  Perguntava eu, every single day.

É disto que se trata a síndrome de Lynch/Colorismo. De fazer o homem negro de pele mais clara pensar que é superior ao homem negro de pele mais escura. O melhor, o mais bonito, o mais capaz, simplesmente porque é mais claro. Que “homens negros devem casar com mulheres brancas porque são mais bonitas, e que mulheres negras devem casar-se com homens brancos porque são mais inteligentes”. E isso não passa de um jogo psicológico, que ainda nos divide e enfraquece cada vez mais a nossa luta.

Acredito que o grande primeiro passo é reconhecer privilégios. Como é que a sociedade te lê? Só assim conseguiremos e unir-nos todos na nossa verdadeira luta. Temos de cuidar uns dos outros. Porque no final somos nós por nós.

13 comentários :

  1. Não tinha conhecimento dessa carta mas, desconfiava do preconceito do negro comm o próprio negro... É irracional que tdo é motivo para derrespeitar outra pessoa

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  2. Cade o botão de curtir? :(

    Infelizmente isso não é algo que acontece só entre negros, mas entre pardos, brancos, etc... O ser humano quer sempre achar motivo para ser superior, "as morenas são as melhores", "não as loiras", tanto mimimi e blablabla, é triste. Esquecem que nossos corpos são só capas e o que importa mesmo é o conteúdo.

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    1. É mesmo isso Vic! As pessoas complicam tanto... somos todos iguais, só muda o tom de pele :)

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  3. Infelizmente ainda existe casos mas na minha opinião ser mais escuro ou mais claro não difere da personalidade da pessoa, eu tenho um amigo que é mulato e eu adoro o tom de pele dele e não é por ser mulato que é menos muito pelo contrário ele nada muito bem!
    O tom de pele não faz a pessoa mas sim a personalidade!
    O teu tom de pele (pelas fotografias) é muito giro , na minha opinião, cada pessoa tem os seus gostos e não é o tom de pele que vai fazer a diferença, muitas pessoas brancas gostariam de ter a tua e de muitos outros mulatos e por isso no verão fartam-se de ir à praia para tentarem ficar mais escurinhas, eu prefiro ficar um pouco bronzeada mas é verdade que até eu às vezes gostava de estar mais escurinha e vocês já o são todo o ano!
    bjs

    Cantinho da tequis
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    1. E isso é no geral, com todos os tons de pele. A cor não define a personalidade de ninguém.

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  4. Vou ser sincera: desconhecia completamente a existência desta síndrome. Fiquei desapontada.
    Bom texto! :)
    Beijinhos grandes!

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    1. Ela passa despercebida, tal como muitos outros tipos de preconceitos! Obrigada linda❤❤

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    2. Ela passa despercebida, tal como muitos outros tipos de preconceitos! Obrigada linda❤❤

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  5. Muito bem dito ... Sandra !!
    http://souimperfeita.wix.com/sou-imperfeita

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  6. Já acho completamente estúpido o racismo branco/negro. Mas esse parece muito pior! Qual é a diferença entre mulato e negro? ou branco e mulato? ou vermelho e azul!? Acho isso estupido. Somos todos iguais. Há tantos defeitos nos negros como nos brancos... Enfim, estas são mentalidades que precisam de mudar!

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  7. Os mulatos sempre foram mais aceites por isso. Considerava-se que estavam a "purificar" a raça. Parece chocante nos dias de hoje mas era opinião universal no século XIX.

    http://ocantinhodacate.blogspot.pt

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